quarta-feira, 28 de outubro de 2015

O exílio na poesia de Jorge de Sena

Nádia Balladares Barcellos
Daniella Cruz

O exílio foi punição frequente aplicada a pessoas que ousavam se opor a regimes ditatoriais. Tão frequente que são incontáveis as obras criadas sobre esse tema. A repressão sobre escritores de diversos gêneros da literatura acabou servindo de mote para a criação de inúmeras publicações. Externar a dor da perda/separação de sua pátria, através da literatura, prática comum a diversos autores, conferiu à escrita o papel de valioso registro dos momentos vividos sob a condição do exílio.  
Um desses escritores é o português Jorge de Sena. Nascido em Lisboa, mudou-se para o Brasil no ano de 1959, quando percebeu que poderia ser preso. Sena queria conquistar sua liberdade literária - o que não seria possível em seu país de origem naquele momento. Com a instauração da ditadura brasileira em 1964, ele decidiu se mudar para Santa Barbara, Califórnia, nos Estados Unidos, de onde não mais saiu. Chegou a tentar um retorno a Portugal, contudo, sem sucesso, por não ter conseguido reconhecimento nem emprego em seu país de origem.
     Por conta das experiências vividas, Jorge de Sena expressou
todo seu sentimento através de diversos poemas e neles deixou clara a sua insatisfação por ter que deixar sua pátria para buscar liberdade e sucesso profissional em outras nações. Suas obras expressam sentimentos conflitantes, como saudade e rancor. É o que demonstraremos com base na análise dos poemas “A Portugal”, “Em Creta com o Minotauro” e “Noções de Linguística”.
Para Fagundes (1999), todo nacionalismo cresce proveniente de uma situação de separação, ou seja, quando um indivíduo é exilado, ele passa por desenvolver um sentimento de nacionalidade (talvez causado pela falta dela na condição de exílio, na situação de expatriado). Como esse nacionalismo aparece nos poemas alternados entre rancor/rejeição e saudade/autoafirmação, muitas vezes percebemos relações contraditórias nos sentimentos expressos na obra de Sena. O poeta oscila ao explicar esse misto de sentimento quando aborda a terra que deixou (Portugal) em busca de uma nova identidade, já que a sua foi tomada de forma brutal.  Fagundes (1999, p. 113) chama “[...] a relação do poeta com seu país a obsessiva e amarga presença duma ausência. A <<presença>> está patente, sobretudo no amor-ódio a Portugal [...]”.
Podemos observar o sentimento ambíguo de Sena expresso nos versos de “A Portugal”. Ora parece sentir rancor, ora saudade seguida de rejeição:

Esta é a ditosa pátria minha amada. Não.
Nem é ditosa, porque o não merece.
Nem minha amada, porque é só madrasta.
Nem pátria minha, porque eu não mereço
a pouca sorte de nascido dela.
[...]
Amigos meus mais caros tenho nela,
saudosamente nela [...] (SENA, 6/12/1961).

Após demonstrar rancor e saudade, mais que rejeitar Portugal, nos versos finais ele mostra também que se sente rejeitado por sua terra natal:

[...]
és peste e fome e guerra e dor de coração.
Eu te pertenço: mas ser’s minha, não (idem).


Além do exílio físico, Jorge de Sena deixa transparecer, também, uma ideia de exílio sentimental. A desconstrução da ideia de “ditosa pátria” é acompanhada da conclusão da ausência de amor da pátria para o poeta e, portanto, também do poeta para a pátria. De “ditosa” e “minha amada”, a pátria, uma vez chamada de “madrasta” – em oposição à ideia de carinho materno - passa a ser qualificada, nos versos seguintes, como “peste e fome e guerra e dor de coração”.
Embora pertença à pátria, o poeta se nega a tê-la como sua.

Para Queiroz (1998), a aquisição de uma nova língua é a ruptura mais radical com o passado. Sobre essa marca permanente deixada pelo exílio, Jorge de Sena destaca, através de seu poema "Noções de Linguística", o sentimento de perda das raízes, ao observar os filhos conversarem em uma língua distinta da portuguesa, o inglês. É clara a perplexidade do autor com a naturalidade na forma como os filhos se apropriam da nova língua e reforçam tal apropriação nas conversações entre eles, embora nenhum seja norte-americano. O entendimento comum da língua como definidora de identidade é claramente expresso e reforçado nesses versos, uma vez que a mudança do idioma, no cotidiano, é tratada como um fator de dissolução da identidade portuguesa.

Ouço meus filhos a falar inglês
entre eles. Não os mais pequenos só
mas os maiores também e conversando
com os mais pequenos. Não nasceram cá,
todos cresceram tendo nos ouvidos
o português. Mas em inglês conversam,
não apenas serão americanos: dissolveram-se,
dissolveram-se num mar que não é deles (SENA, outubro, 1970).
 

No poema “Em Creta com o Minotauro”, Sena trata sobre a 
ambiguidade e hibridismo no processo de tentar assimilar as mudanças e de se reconstruir como indivíduo na nova morada. Conforme lemos os versos, notamos a reflexão do autor sobre nunca se sentir “em casa” realmente. Para Sena, não é possível adquirir uma nova pátria. Um exilado vive como um despatriado, mesmo reconstruindo a vida em um novo país.

Nascido em Portugal, de pais portugueses,
e pai de brasileiros no Brasil,
serei talvez norte-americano quando lá estiver. Colecionarei nacionalidades como camisas se despem, [...]
Com pátria nos compram e nos vendem, à falta
de pátrias que se vendam suficientemente caras para haver vergonha
de não pertencer a elas. Nem eu nem o Minotauro, teremos nenhuma pátria. (SENA, 1972).


Como podemos observar, o exílio traz para o escritor o sentimento de rejeição por parte da pátria mãe e o hibridismo se vai formando nessa identidade pessoal e na maneira como ele se vê diante da nova pátria. É como se nunca houvesse um acolhimento total por parte dessa nova morada. A construção de uma nova identidade não garante o reconhecimento pleno em relação à nova terra onde passa a viver – pode, mesmo, levar à constante sensação de incompletude. O poeta vive deslocado, como um outsider, sem se identificar com os novos grupos culturais com os quais convive - não se sente pertencer nem à pátria de origem, nem à pátria que o acolheu.   

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Referências:
FAGUNDES, Francisco Cota. O retorno de um exilado. Subsídios para o estudo dum drama humano na poesia de Jorge de Sena. In: SANTOS, G. (org.). Jorge de Sena em rotas entrecruzadas. Lisboa: Cosmos, 1999.
QUEIROZ, Maria José. Os males da ausência ou A literatura do exílio. Rio de Janeiro: Topbooks, 1998.
SENA, Jorge de. A Portugal. Araraquara, 06/12/1961. In: JORGE, S. (org.). Jorge de Sena - Poemas: material didático disponibilizado na disciplina Literatura Portuguesa III, turma 2015/01. Niterói: UFF, 2015.
SENA, Jorge de. Em Creta Com o Minotauro. 1965. In: JORGE, S. (org.). Jorge de Sena - Poemas: material didático disponibilizado na disciplina Literatura Portuguesa III, turma 2015/01. Niterói: UFF, 2015.
SENA, Jorge de. Noções de Linguística. Outubro/1970. In: JORGE, S. (org.). Jorge de Sena - Poemas: material didático disponibilizado na disciplina Literatura Portuguesa III, turma 2015/01. Niterói: UFF, 2015. 

Ilustrações
CONRADO, Júlio. Jorge de Sena. In: Jornal de Poesia. Fortaleza: Janeiro de 2010. Disponível em:<http://www.jornaldepoesia.jor.br/BLBLjorgedesena01.htm> Acesso em:28/10/2015.
PROSIMETRONJorge de Sena. In: Prosimetron: in Memoriam:Felicidade, Jorge de Sena. 02/11/2009.Disponível em: <http://prosimetron.blogspot.com.br/2009/11/in-memorian-felicidade-jorge-de-sena.html> Acesso em: 28/10/2015

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Exílio

Nádia Balladares Barcellos



O exílio é uma forma de punição aplicada desde a Grécia antiga. A punição política conhecida por Ostracismo era utilizada em Atenas desde 509 a.C. e foi adotada, mais tarde, pelos "governos de Argos, Megara e Mileto". Trata-se de um castigo cuja aplicação consistia no abandono forçado da pátria natal pelo condenado, por um período de cinco a dez anos. A realização do desterro era decidida por um conselho, através de votação em plebiscito, devendo atingir seis mil votos. Segundo Maria José de Queiroz, a punição não era uma medida contra crimes e maldades, mas sim um castigo ao orgulho que estava ligado ao abuso de poder e não representava a justiça, ainda que a intenção inicial fosse essa: “embora inspirado pelo ideal grego de equanimidade, sua aplicação nem sempre respondia ao ideal de justiça. Interesses criados, injunções políticas, perseguições e apadrinhamentos desvirtuaram-lhe a prática” (QUEIROZ, 1998, p. 21).
s/ título
autor desconhecido
Fonte: clickgrátis - fotos e imagens
A pesquisadora pontua também que a prática passou a ser instrumento de vingança de forma declarada, já que delitos mais graves não receberam a aplicação dessa pena.
Em tempos atuais, e em terras não tão distantes de nós, essa forma de abuso de poder cometida por políticos também acontece - caso da América do Sul e da Europa. Quando pensamos em exílio, de acordo com as referências que possuímos, é comum ligarmos a punição a crimes políticos. Isso porque essa prática se mostrou bastante comum em países que viveram sob regimes ditatoriais. Assim, ainda que tenham ocorridos outros casos de crimes punidos com exílio, estes, na maioria das vezes, não chegaram ao conhecimento do público ou não foram tratados com a devida importância.  
O castigo de isolamento de um individuo por razões políticas foi bastante retratado por diversos escritores e poetas, e seus relatos muitas vezes foram baseados em suas experiências pessoais. Esse é o caso de Jorge de Sena, poeta, escritor e crítico português que viveu exilado – e por isso tem sua biografia estudada por vários pesquisadores.
Segundo Francisco Cota Fagundes (1999), o exílio significa muito mais do que ausência do lugar onde se nasceu e viveu, “consiste na existência do amor pela terra natal e nos laços que nos ligam a ela”. E é por causa desse sentimento que, de forma recorrente, autores escrevem sobre o tema em poemas e na literatura de uma forma geral.  O exílio, que ocorre por motivo político, traz consigo uma reação dúbia para o autor/exilado, talvez pela forma com que essa ruptura acontece.
Edward W. Said fala sobre o fato dessa transição, desde o momento em que deixa de pertencer ao lugar de origem até a tentativa de aquisição de uma nova identidade, nunca preencher o exilado por completo:


E logo adiante da fronteira entre nós e os outros está o perigoso território do não pertencer, para o qual, em tempos primitivos, as pessoas eram banidas e onde, na era moderna, imensos agregados de humanidade permanecem como refugiados e pessoas deslocadas. [...] O exílio, ao contrario do nacionalismo, é fundamentalmente um estado de ser descontinuo. Os exilados estão separados das raízes, da terra natal, do passado. Portanto, os exilados sentem uma necessidade urgente de reconstituir suas vidas rompidas [...] (SAID, 1999, p. 50).

Embora o exilado sinta essa necessidade de ter sua identidade e pátria restituídas, ele não se engana com a ilusão de que a nova pátria vai suprir completamente esse vazio. Como explica Said, muitas vezes o exilado enxerga essa pátria como temporária e não definitiva: 
O exilado sabe que, num mundo secular e contingente, as pátrias são sempre provisórias. Fronteiras e barreiras, que nos fecham na segurança de um território familiar, também podem se tornar prisões e são, com frequência, defendidas para além da razão ou da necessidade (SAID, 1999, p. 58). 

"Ida & Retorno I"
autor desconhecido
Fonte: RIBEIRO, 16/08/2011

Quando ocorre o primeiro contato com a pátria de origem, o regresso, muitas vezes o exilado se sente deslocado e não reconhece por completo aquele lugar que deixou pra trás. Acontece um choque intercultural e, segundo Fagundes (1999), a literatura e/imigrante mostra um bom exemplo de como essa visita é marcante e traz ao exilado a sensação de ‘desadaptado da pátria’ quando a compara com o país que lhe acolheu. Ainda segundo Fagundes, em alguns casos, esse reencontro com a pátria serve para dar ênfase à condição de exilado:


[...] é um alienado reencontro com a pátria de origem e a confirmação de seu estatuto de permanente exilado. Essa condição de permanente exilado e cidadão do mundo (sendo esta última categoria rubricável como o lado positivo desse exílio) já fora anunciado/prenunciado, entre vários outros textos poéticos e de ficção [...] no celebre poema <<Em Creta, com o Minotauro>> (escrito em Julho de 1965) (FAGUNDES, 1999, p. 105).

Os autores aqui discutidos apontam a existência de um sentimento conflitante do exilado com relação a sua pátria. O exilado pode rejeitá-la, porque foi rejeitado anteriormente, e romantizar a distância, uma vez superado o ódio inicial, sem, contudo, se identificar novamente com a pátria, após o retorno. Pode também sentir que sua nova morada é acolhedora ou simplesmente se sentir um eterno expatriado (por conta da hibridização de culturas), independentemente de onde estiver vivendo. 
  
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Referências:
FAGUNDES, Francisco Cota. O retorno de um exilado. Subsídios para o estudo dum drama humano na poesia de Jorge de Sena. In: G. Santos (org.), Jorge de Sena em rotas entrecruzadas. Lisboa: Cosmos, 1999.
QUEIROZ, Maria José. Os males da ausência ou A literatura do exílio. Rio de Janeiro: Topbooks, 1998.
SAID, Edward W. Reflexões Sobre o exílio e outros ensaios. São Paulo: Cia. Das Letras, 2003.

Ilustrações
Clickgrátis. s/ título. In: Imagens de Exílio. s/d.
Disponível em: <http://www.clickgratis.com.br/fotos-imagens/exilio/?PageSpeed=noscript> Acesso em: 20/10/2015.
RIBEIRO, Daniel. Exílio. In: Madrugada à Ribeiro: devaneios de um coração que mais parece um campo minado. Rio Branco: 16/08/2011. Disponível em: <http://madrugadaaribeiro.blogspot.com.br/2011/08/exilio.html> Acesso em: 20/10/2015.