Nádia Balladares Barcellos
Daniella Cruz
Daniella Cruz
O exílio foi punição frequente aplicada
a pessoas que ousavam se opor a regimes ditatoriais. Tão frequente que são
incontáveis as obras criadas sobre esse tema. A repressão sobre escritores de
diversos gêneros da literatura acabou servindo de mote para a criação de inúmeras
publicações. Externar a dor da perda/separação de sua pátria, através da literatura,
prática comum a diversos autores, conferiu à escrita o papel de valioso
registro dos momentos vividos sob a condição do exílio.
Um desses escritores é o português
Jorge de Sena. Nascido em Lisboa, mudou-se para o Brasil no ano de 1959, quando
percebeu que poderia ser preso. Sena queria conquistar sua liberdade literária
- o que não seria possível em seu país de origem naquele momento. Com a
instauração da ditadura brasileira em 1964, ele decidiu se mudar para Santa
Barbara, Califórnia, nos Estados Unidos, de onde não mais saiu. Chegou a tentar um retorno a Portugal, contudo,
sem sucesso, por não ter conseguido reconhecimento nem emprego em seu país de
origem.
Por conta
das experiências vividas, Jorge de Sena expressou
todo seu sentimento através de diversos poemas e neles deixou clara a sua insatisfação por ter que deixar sua pátria para buscar liberdade e sucesso profissional em outras nações. Suas obras expressam sentimentos conflitantes, como saudade e rancor. É o que demonstraremos com base na análise dos poemas “A Portugal”, “Em Creta com o Minotauro” e “Noções de Linguística”.
todo seu sentimento através de diversos poemas e neles deixou clara a sua insatisfação por ter que deixar sua pátria para buscar liberdade e sucesso profissional em outras nações. Suas obras expressam sentimentos conflitantes, como saudade e rancor. É o que demonstraremos com base na análise dos poemas “A Portugal”, “Em Creta com o Minotauro” e “Noções de Linguística”.
Para Fagundes (1999), todo
nacionalismo cresce proveniente de uma situação de separação, ou seja, quando
um indivíduo é exilado, ele passa por desenvolver um sentimento de
nacionalidade (talvez causado pela falta dela na condição de exílio, na
situação de expatriado). Como esse nacionalismo aparece nos poemas alternados
entre rancor/rejeição e saudade/autoafirmação, muitas vezes percebemos relações
contraditórias nos sentimentos expressos na obra de Sena. O poeta oscila ao
explicar esse misto de sentimento quando aborda a terra que deixou (Portugal)
em busca de uma nova identidade, já que a sua foi tomada de forma brutal. Fagundes (1999, p. 113) chama “[...] a
relação do poeta com seu país a obsessiva
e amarga presença duma ausência. A <<presença>> está patente,
sobretudo no amor-ódio a Portugal [...]”.
Podemos observar o sentimento ambíguo de Sena expresso
nos versos de “A Portugal”. Ora
parece sentir rancor, ora saudade seguida de rejeição:
Esta é a ditosa pátria minha amada. Não.
Nem é ditosa, porque o não merece.
Nem minha amada, porque é só madrasta.
Nem pátria minha, porque eu não mereço
a pouca sorte de nascido dela.
[...]
Amigos meus mais caros tenho nela,
saudosamente nela [...] (SENA, 6/12/1961).
Após demonstrar rancor e saudade, mais que rejeitar Portugal,
nos versos finais ele mostra também que se sente rejeitado por sua terra natal:
[...]
és
peste e fome e guerra e dor de coração.
Eu te pertenço: mas
ser’s minha, não (idem).
Além do exílio físico, Jorge de Sena deixa
transparecer, também, uma ideia de exílio sentimental. A desconstrução da ideia
de “ditosa pátria” é acompanhada da conclusão da ausência de amor da pátria
para o poeta e, portanto, também do poeta para a pátria. De “ditosa” e “minha
amada”, a pátria, uma vez chamada de “madrasta” – em oposição à ideia de
carinho materno - passa a ser qualificada, nos versos seguintes, como “peste e
fome e guerra e dor de coração”.
Embora pertença à pátria, o poeta se nega a tê-la
como sua.
Para Queiroz (1998), a aquisição de
uma nova língua é a ruptura mais radical com o passado. Sobre essa marca permanente
deixada pelo exílio, Jorge de Sena destaca, através de seu poema "Noções de Linguística", o sentimento de perda
das raízes, ao observar os filhos conversarem em uma língua distinta da portuguesa,
o inglês. É clara a perplexidade do autor com a naturalidade na forma como os
filhos se apropriam da nova língua e reforçam tal apropriação nas conversações entre
eles, embora nenhum seja norte-americano. O entendimento comum da língua como
definidora de identidade é claramente expresso e reforçado nesses versos, uma
vez que a mudança do idioma, no cotidiano, é tratada como um fator de
dissolução da identidade portuguesa.
Ouço meus filhos a falar inglês
entre eles. Não os mais pequenos só
mas os maiores também e conversando
com os mais pequenos. Não nasceram cá,
todos cresceram tendo nos ouvidos
o português. Mas em inglês conversam,
não apenas serão americanos: dissolveram-se,
dissolveram-se num mar que não é deles (SENA,
outubro, 1970).
No poema “Em
Creta com o Minotauro”, Sena trata sobre a
ambiguidade e hibridismo
no processo de tentar assimilar as mudanças e de se reconstruir como indivíduo
na nova morada. Conforme lemos os versos, notamos a reflexão do autor sobre
nunca se sentir “em casa” realmente. Para Sena, não é possível adquirir uma
nova pátria. Um exilado vive como um despatriado, mesmo reconstruindo a vida em
um novo país.
e pai de brasileiros no Brasil,
serei talvez norte-americano quando lá
estiver. Colecionarei nacionalidades como camisas se despem, [...]
Com pátria nos compram e nos vendem, à falta
de pátrias que se vendam suficientemente
caras para haver vergonha
de não pertencer a elas. Nem eu nem o Minotauro,
teremos nenhuma pátria. (SENA, 1972).
Como podemos observar, o exílio traz para o escritor
o sentimento de rejeição por parte da pátria mãe e o hibridismo se vai formando
nessa identidade pessoal e na maneira como ele se vê diante da nova pátria. É
como se nunca houvesse um acolhimento total por parte dessa nova morada. A
construção de uma nova identidade não garante o reconhecimento pleno em relação
à nova terra onde passa a viver – pode, mesmo, levar à constante sensação de
incompletude. O poeta vive deslocado, como um outsider, sem se identificar com os novos grupos culturais com os quais
convive - não se sente pertencer nem à pátria de origem, nem à pátria que o
acolheu.
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Referências:
FAGUNDES, Francisco Cota. O retorno de um exilado. Subsídios para o estudo dum drama humano na poesia de Jorge de Sena. In: SANTOS, G. (org.). Jorge de Sena em rotas entrecruzadas. Lisboa: Cosmos, 1999.
QUEIROZ, Maria
José. Os males da ausência ou A
literatura do exílio. Rio de Janeiro: Topbooks, 1998.
SENA, Jorge de.
A Portugal. Araraquara, 06/12/1961. In:
JORGE, S. (org.). Jorge de Sena - Poemas: material didático disponibilizado na
disciplina Literatura Portuguesa III, turma 2015/01. Niterói: UFF, 2015.
SENA, Jorge de.
Em Creta Com o Minotauro. 1965. In:
JORGE, S. (org.). Jorge de Sena - Poemas: material didático disponibilizado na
disciplina Literatura Portuguesa III, turma 2015/01. Niterói: UFF, 2015.
SENA, Jorge de.
Noções de Linguística. Outubro/1970.
In: JORGE, S. (org.). Jorge de Sena - Poemas: material didático disponibilizado
na disciplina Literatura Portuguesa III, turma 2015/01. Niterói: UFF, 2015.
Ilustrações
CONRADO, Júlio. Jorge de Sena. In: Jornal de Poesia. Fortaleza: Janeiro de 2010. Disponível em:<http://www.jornaldepoesia.jor.br/BLBLjorgedesena01.htm> Acesso em:28/10/2015.
PROSIMETRON. Jorge de Sena. In: Prosimetron: in Memoriam:Felicidade, Jorge de Sena. 02/11/2009.Disponível em: <http://prosimetron.blogspot.com.br/2009/11/in-memorian-felicidade-jorge-de-sena.html> Acesso em: 28/10/2015